Foi de cortar o coração ler “pq com o meu irmão?” no Facebook. Tinha sido escrito por uma ex-aluna ( boa aluna – 11 ou 12 anos na época). O irmão acabara de levar 4 tiros e estava no hospital em estado grave. Sua namorada, que estava junto também tinha sido baleada e não resistiu. Deixou um bebê de 7 meses.
A pequena cidade onde isso aconteceu estava vivendo, naquele dia, uma espécie de convulsão social. Antes havia morrido dois adolescentes que bateram uma moto possivelmente furtada em um poste durante uma perseguição policial. Populares se revoltaram,colocaram fogo em um ônibus e depredaram viaturas da polícia e dos bombeiros. Eu fiquei acompanhando até de madrugada, postagem a postagem, os desdobramentos daqueles acontecimentos e em busca de mais informações enquanto refletia sobre a maneira em que esses jovens e ‘ as sociedades’ se interagem e quais eram os motivos desses distanciamento.
Tenho impressão de viver os dois lados da moeda. Dou aulas em escolas públicas da periferia, algumas onde os MC’s são ídolos, o funk que ostenta inclusive a vida no crime é trilha sonora obrigatória e policial é chamado de ‘verme’ ou ‘demônios de Farda’. A questão de ‘quem vale mais’ se é o policial ou o bandido chega a ser tema de programa de TV. Por outro lado, ouço discursos pela desmilitarização da Polícia Militar, acusada de ser violenta e truculenta ao mesmo tempo que vejo policiais serem vítimas de emboscadas por bandidos fortemente armados. Conheço policiais que salvam as pessoas, ajudam quando podem, mesmo -assim como professores – serem quase uma subclasse no funcionalismo público, sem investimento em equipamentos adequados, segurança, etc. Vejo notícias de policiais serem mortos na frente dos filhos, pelo simples fato de serem policiais. Vejo bandidos mortos (durante assaltos) por ação de policiais e inscrições comentários de exaltação: bandido bom é bandido morto”.
Durante a madrugada, tudo isso girava dentro da minha cabeça. Uma comunidade que acredita que é preciso ‘vingar’ a morte dos seus membros queimando ônibus (que no final das contas prejudica a todos). A cumplicidade com a vida criminosa – conhecida no meio como Vida Loka (que outrora foi desculpabilizada por ser ‘vítima da sociedade’) acaba tirando a vida de gente inocente, como a da jovem mãe que relatei no início do texto.
Um verdadeiro pesadelo, tanto para a parcela da sociedade que acaba marginalizada, quando pela sociedade que marginaliza. Acredito que estamos na ponta do Vértice, a ponto de retroceder se não soubermos escrever uma nova linha de pensamento. Por enquanto, no final das contas, as verdadeiras vítimas da sociedade somos TODOS nós.